segunda-feira, 15 de abril de 2013

O diamante azul ( para o 7° ano )

O diamante azul DOIS DIAS depois do Natal, fui visitar meu amigo Sherlock Holmes. Encontrei-o sentado no sofá, de rou¬pão, cachimbo apoiado no cinzeiro e, ao alcance da mão, um punhado de jornais. A seu lado estava um chapéu de feltro, bastante velho e gasto, com alguns rasgões. No assento da cadeira, vi uma lente de aumento e uma pinça, indicando que o chapéu havia sido suspenso e examinado. -Espero não estar atrapalhando... -Caro Watson, gosto de um amigo como você por perto, para discutir as investigações -apontou o chapéu. -O que-acha dele? -Parece um objeto sem interesse -eu brinquei -, mas aposto que você me provará que é a pista fabulosa para desvendar um crime extraordinário. -Não, nada de crimes...-disse Sherlock,rindo.-Apenas um daqueles engraçados acontecimentos que surgem quando há 4 milhões de seres humanos morando numa cidade cosmopolita como Londres...Você se lembra do comissário Petersen, que tantas vezes nos visitou quando você morava aqui? -Claro! -respondi. -Este troféu pertence a ele. -O chapéu é dele? -espantei-me. -Não, não. Ele o encontrou. Não se sabe quem é o dono. Deixe-me contar como veioparar aqui. Acendi um charuto e me servi de uma xícara de café forte, pronto para ouvir as explicações de Sherlock. -Este chapéu me veio às mãos no dia de Natal, junto com um belo ganso gordo, que a estas horas, sem dúvida, já foi comido pela família de Petersen... Holmes deu um sorriso e continuou: -Às 4 horas da manhã do dia de Natal, mais ou menos, Petersen estava encerrando sua ronda e passava pela Tottenham Court Road2, voltando para casa. À sua frente caminhava um homem, cambaleando sob as fracas luzes de gás, carregando um ganso às costas. Quando chegou à esquina, um bando de vagabundo so atacou, para roubar o ganso.Um deles derrubou o chapéu do homem e este, num gesto de defesa, usou uma bengala,mas acabou quebrando a vitrine de uma loja. Petersen apitou e foi defendê-lo,mas como ele havia quebrado a vitrine, assustou-se com o policial e também correu, assim como os assaltantes. Conclusão: o policial se viu na rua, a essas horas da madrugada, com um ganso e um velho chapéu nas mãos. Como o ganso eragordoecaro,ePetersenéumpolicialhonesto, pensou em devolvê-loao dono. -E quem seria ele?-perguntei. -Petersen não sabe. Por isso trouxe o caso até mim. Havia um cartão amarrado na perna do ganso, "Para a senhora Henry Baker", e no chapéu estão as iniciais H.E. Ora, como há milhares de Bakers na nossa cidade e provavelmente outro tanto de Henrys, nosso amigo Petersen não conse¬guiria descobrir o homem a tempo de lhe devolver o ganso para o almoço de Natal. -Eo que você sugeriu, Holmes? -Que comesse o ganso antes que estragasse. E me dei¬xasse resolver o mistério. O que acha? -Acho que você supôs que o dono do ganso colocaria um anúncio no jornal. Não é por isso que reuniu tantos jornais a seu redor? -Excelente, meu caro Watson! Vejo que os casos que re¬solvemos ainda lhe são úteis. Mas não encontrei anúncio algum. -E como espera resolver isso, então? -espantei-me. -Com o chapéu. -Com esse chapéu velho e amassado? -Precisamente. É verdade que o tempo me ensinou a nunca menosprezar os dons dedutivos de meu amigo, mas confesso que me rendi diante de tão dura tarefa. O que um velho chapéu poderia revelar de seu dono, a não ser as iniciais H.B. e o seu estado de miséria? Sherlock riu diante da minha óbvia expressão de desalento. - Pense,Watson. O que podemos colher desse velho chapéuamarrotado? Vamos, amigo! Você conhece meus métodos.Pegue a lente e examine o chapéu. Como é o homemque o usava? Meio contrariado, peguei a lente e tentei acompanhar obrilhantismo dedutivo de meu amigo. Era um chapéu preto,comum, redondo e muito gasto. O forro era de seda vermelha,desbotado. Não havia nome de fabricante, apenasas iniciais H.B. Na aba havia um furo, do elástico que osegurava, mas do elástico, nem sinal. Estava coberto de pó,com alguns buracos e pequenas manchas. Nos lugares desbotadosaplicaram uma tinta preta. - Não vejo nada - respondi, devolvendo o chapéu. - Watson, não me decepcione! Pode-se ver tudo nessechapéu. - Então me diga, você, o que vê nele. Holmes segurou-o com um respeito dado a objetos preciosose falou daquele jeito pausado, com que sempre conduzsuas investigações: - Creio que o homem é mais intelectual do que operário. Acha-se atualmente em péssimas condições de vida e issovem acontecendo de uns três anos para cá, pois antes viviabem. Também já foi um homem prevenido, mas isso mudou,o que me leva a crer na perda de seus bens. Talvez tenhasido levado a isso pela bebida, por isso sua mulher deixoude cuidar dele e talvez não o ame mais. - Meu caro Holmes! -Ele é um homem de vida sedentária -continuou Sherlock,nem me dando ouvidos -, tem cabelos grisalhos, que cortou faz pouco tempo, e usa gel nos cabelos. Estes são os fatos que se podem deduzir do chapéu. E é bem provávelquenão tenha gás em sua casa... -Holmes, você está brincando comigo... - Jamaisfaria isso, meu caro Watson. Será possível que depois de eu ter assinalado todos esses fatos, você não consegue descobrir mais nada? - Devoconfessarque não consigoseguirseuraciocínio...Por exemplo:como você percebeu que o homem era intelectual? Holmes respondeu colocando o chapéu na própria cabeça. Ele lhe desceu até o nariz. - Não dizem que um homem de cabeça grande é mais inteligente? - Ah!-exclamei.-E quanto ao fato de ele ser rico e ter empobrecido? - Repare na aba. Esse modelo esteve na moda há três anos e é chapéu da melhor qualidade. Tem um bom forro e uma fita de seda. Se esse homem pôde comprar um chapéu desses há três anos, é porque tinha dinheiro para fazê-lo. E se não comprou outro, certamente é porque não teve mais recursos para isso. Holmes sempre me vencia. Suspirei fundo e continuei com minhas perguntas: -Como explica o fato de não ser mais previdente? Sherlock deu risada. -Veja a previdência -disse, colocando o dedo sobre o furo para o elástico. -Ninguém compra um chapéu desse tipo com um elástico costurado na borda. Isso só é colo¬cado se o freguês pedir, numa prevenção contra o vento. O elástico arrebentou e ele não o costurou mais, o que é sinal de descaso. Mas ainda tem orgulho suficiente para dis¬farçar as marcas da pobreza com tinta. Havia uma certa lógica em tudo que Holmes me apre¬sentava. Ele continuou: -Bem, quanto ao fato de o homem ser de meia-idade, usar gel e ter cabelo grisalho cortado há pouco, isso pode ser visto pelo exame do forro. Há vestígios de fios, óleo e cabelos curtos, grisalhos. -E a esposa dele?Você disse que ela não o ama mais. -Este chapéu não é escovado há muitas semanas. Meu caro Watson, quando sua mulher deixá-lo sair de casa com um chapéu nesse estado, terei certeza de que ela nem olha mais para sua cara! -Holmes, o homem pode ser um solteirão! Ou ser muito ocupado, sem tempo de cuidar de si!-exclamei,furioso com o orgulho com que meu amigo expunha suas opiniões. -Nada disso. Ele ia levando para casa um ganso caro e gordo como presente para sua mulher. Não se esqueça do cartão na perna da ave.Não se faz isso com alguém a quem não se pretenda agradar. -Ah, Holmes! -exclamei, nervoso. -Você tem resposta para tudo. E por que diz que não há gás na casa dele? -Veja:há alguns pingos de vela aqui na aba. Esse homem está acostumado a subir a escada com o chapéu numa mão e a vela na outra. Ao que eu saiba, gotas de cera não pingam de lampiões a gás. Agora acredita no que falei? Acabei rindo. Segurei no braço de meu amigo e considerei aquilo como um divertido conto de Natal. -Ah, caro Holmes, tudo isso é muito curioso, mas já que me garante que não houve crime e que o único assassinado foi um ganso, quer me explicar por que está gastando tanto tempo e energia para decifrar o enigma desse chapéu perdido? Sherlock Holmes ia responder, quando a porta foi aberta com violência e o comissário Petersen entrou no recinto, nervoso demais, sem sequer nos cumprimentar. -O ganso, senhor Holmes, o ganso... -Hein? O ganso? O que aconteceu com ele?Ressuscitou e voou pela janela? -brincou Sherlock, gozando da expres¬são apalermada do policial. -Olhe aqui, senhor Holmes, o que minha mulher encontrou no papo da ave-e nos estendeu uma grande pedra azul. -Petersen, acredite, você tem aqui algo de grande valor! Por acaso sabe o que é isso? -Um diamante, senhor Holmes! Uma pedra preciosa. Ela corta o vidro como se fosse banha. -Não, caro Petersen. Não é umapedra preciosa. É a pedra preciosa. -Não me diga, Holmes! -explodi, furioso. -Não me diga que é a pedra da Condessa de Morcar! -Creio que sim. Depois de seu roubo, foi o que mais se leu no TheTimes.Uma pedra única, e a recompensa de mil libras oferecida pelo seu retorno não corresponde à vigési¬ma parte de seu valor -concluiu Holmes. -Mil libras! Deus do céu!-gritou o comissário, nervoso demais para segurar a pedra por mais tempo e derrubando¬-a no tapete da sala. - Essa é a recompensa oferecida - disse Holmes, mantendoa tranquilidade e recolhendo a joia. - Mas, por valorsentimental, sua dona seria capaz de oferecer metade da fortunapara recuperá-Ia. - Ao que me lembro, a pedra desapareceu no HotelCosmopolitan - falei. Holmes completou a informação: - Isso mesmo! No dia 22 de dezembro, há exatamentecinco dias. John Horner, um encanador, foi acusado de tirara pedra de um porta-joias no quarto da condessa, e as provascontra ele são tão fortes, que o homem irá a julgamentonas próximas semanas. Veja, tenho aqui um recorte de jornalpara comprovar o que digo. E Holmes nos estendeu um artigo: Roubo de jóias no Hotel Cosmopolitan John Horner, 26 anos, encanador, foi acusadode, no dia 22 corrente, ter roubado do porta-joiasda Condessa de Morcar uma valiosa gema conhecidacomo diamante azul. James Ryder, copeiro-mordo hotel, afirma ter levado o Sr. Horner ao quartoda condessa a pedido da sua dama de companhia,Catarina Cusack, para que ele soldasse uma gradeda lareira. O camareiro permaneceu no local algumtempo, mas, sendo chamado, deixou o soldadorsozinho. Ao voltar, viu que Horner já havia saído,mas constatou que o cofre se achava aberto, o queo espantou. Ryder deu o alarme e Horner foi preso,mas a pedra não foi encontrada. O encanador protestou inocência, mas como já apresenta antecedentes criminais, tudo indica a sua culpa provável. Horner deverá ir a julgamento. Apesar disso, o mais terrível é que até o momen¬to não há o menor sinal do diamante, peça muito querida de Sua Alteza, que prometeu régia recom¬pensa a quem indicar o paradeiro da joia. -Hum, bobagens da polícia! -disse Holmes, jogando o jornalparaolado. -Nossaprioridadeéestabelecerasequência de fatos desde que o porta-joias foi aberto até o fim, que é o ganso perdido em Tottenham Court Road e comido pela família de nosso amigo Petersen. O que ocorreu entre cada acontecimento? -ele perguntou e ele mesmo respondeu, abrindo a mão e exibindo a joia. -Aqui está a pedra. A pedra veio do ganso. E como o ganso chegou a nossas mãos? Através de Petersen e do homem idoso com um chapéu surrado. Por isso, caro amigo Watson, colocarei nos jornais um anúncio. Holmes redigiu rapidamente uma nota e a leu: Ganso encontrado na Tottenham Court Road junto com um chapéu de feltro. O Sr. Henry Baker pode reaver seus pertences, dirigindo-se, hoje, às 18h30, à Rua Baker, 221B. -O que acha, Watson? -perguntou-me Holmes. -Se o homem não olhar os jornais, algum conhecido de Henry Baker pode avisá-lo...Ah!Petersen,faça-meum favor.Coloque esse anúncio em todos os jornais populares. E, na volta, compre-me um ganso parecido com aquele que sua família comeu. O policialrecebeuo dinheiro de Hohnes e apontou a pedra. -O que vai fazer com ela, senhor? -Deixe-a comigo -respondeu Holmes. -Vou descobrir como essa joia foi parar no papo de um ganso. Depois que Petersen saiu, decidi partir também. Qualquer resultado só viria ao final da tarde. Prometi voltar à noitinha, para conferir se o mistério do ganso e do roubo do diamante azul teria solução. Quando voltei, encontrei um homem na sala de Holmes. -Watson, quero lhe apresentar o Sr. Henry Baker. Ele acabou de chegar e esperávamos por você. Cumprimentei-o e reparei que meu amigo havia acertado em muitas características de Henry Baker: era alto, de fa¬ces vermelhas, com a roupa abotoada de cima a baixo, mas com mangas puídas na camisa. Usava um boné escocês. Suas mãos tremiam um pouco, o que me lembrou o comentário de Holmes a respeito da bebida. Falava baixo e escolhia as palavras com correção, mostrando ser um homem letrado. -Então o senhor perdeu o seu ganso e o chapéu -disse Holmes. -É o que acreditava, senhor. Pensei que os ladrões a essa altura já tivessem devorado a ave. -É o que nós fizemos, infelizmente. -Ah! Os senhores comeram o ganso!...-disse o homem, decepcionado. -O ganso acabaria apodrecendo e isso seria um desper¬dício... mas tenho aqui outra ave, de igual peso e, espero, igual sabor. -Holmes indicou um pacote de onde sobres¬saíam as patas do ganso, com o chapéu gasto ao lado. Reparei que os olhos do homem se iluminaram. Ele não se importava em trocar uma ave pela outra: o que queria mesmo era levar comida para casa. Holmes olhou para o homem e perguntou: -Espero que não se importe em me dizer onde o senhor comprou o ganso, Sr. Baker. Era de ótima qualidade. -No Clube do Ganso. Falamos quase ao mesmo tempo: -Clube do Ganso??? -FoiodonodaTabernaAlfaquecriouesseclube.Cadasócio entracomalgunscentavosporsemanaelevaogansono Natal -explicouo homem, retirando-sedepois de agradecer muito. -Então o Sr. Baker é inocente -disse Holmes, fechando a porta atrás do visitante. -Está com fome, Watson? Que tal um jantarzinho na Taberna Alfa? Claro que concordei. A taberna era um local pequeno, mas agradável. Holmes dirigiu-se ao proprietário com a maneira jovial que usa quan¬do quer cativar as pessoas: -Traga-nos cerveja, meu bom homem. Espero que sua bebida seja tão boa quanto a qualidade dos seus gansos! -Meus gansos? -o homem se espantou. -Sim, acabei de conversar com o Sr. Henry Baker, que é membro do Clube do Ganso. -Ah!, agora entendi. Mas aqueles não são nossos. Foram encomendados de um vendedor na feira de Covent Gardens. Um homem chamado Breckinridge. Bebemos a cerveja e saímos. -Vamos passear pela feira, Watson? Estou com bons pressentimentos. Acho que até o fim da noite resolveremos o mistério do ganso que come diamantes. Não foi difícil localizar a banca com o nome Breckinridge na fachada. O proprietário era um homem grosseiro, de nariz fino e barba pontuda. Meu amigo examinou a bancada do açougue antes de perguntar: -Pelo que vejo, o senhor vendeu todos seus gansos. -Se quer gansos, pode comprá-los naquela banca adiante -respondeu o homem, com maus modos. -Mas queria comprá-los do senhor, que me foi tão bem recomendado pelo dono da Taberna Alfa.Pode dizer-nos de quem comprou aquelas aves? Diante da pergunta inocente, o barbudo teve um inusitado ataque de raiva. -Arre, que não digo! Já estou farto daquelas duas dúzias de gansos do Alfa!É toda hora que me aparece alguém querendo saber onde comprei os gansos, para quem vendi os gansos!... Ora, faça-me o favor, estou farto disso! Ponha-se daqui para fora que nada direi. -Está bem, está certo, vou embora! -disse Holmes, espertamente me piscando o olho. -Eu estava justamente apostando com meu amigo que aquelas aves foram cria¬das no campo. Aposto uma libra, com o senhor, que estou certo. -Aposta?! -exclamou o homem. -Uma libra, sobre os gansos? -O que disse: aposto uma libra que aqueles gansos vieram do campo. -Aposta fechada! -e o enfezado Sr. Breckinridge bateu palmas, gritando para os fundos da barraca: -Bill, traga-me os livros. Surgiu um rapazinho magro, carregando dois livros de registros. Satisfeito, o comerciante procurou nas páginas a informação que queríamos: -Está vendo, senhor? Nessa lista anoto de quem eu compro a mercadoria. Nessa outra, para quem vendo. Faça o favor de ler esse nome escrito em vermelho. Estendeu o volume diante dos olhos de meu amigo,que leu: -Senhora Oakshott, residente à estrada Brixton II7. Em 22 de dezembro, 24 gansos comprados a 7 xelins?cada um. -Foi desse lugar que vieram os gansos. Como pode ver, senhor, foram aves criadas aqui mesmo na cidade -e o ho¬mem gargalhou, feliz por ganhar a aposta. Holmes fingiu uma expressão de contrariedade e lhe deu a moeda de uma libra. Mal nos vimos na rua, meu amigo sorriu, pegando-me no braço: -Watson, um homem com aquela barba nunca se deixa convencer do que não quer. Poderia oferecer 100 libras pela informação, que ele nada diria. Mas a ideia de tapear um cavalheiro numa aposta era forte demais... Acho que teremos de visitar a criadora dos gansos, a senhora Oakshott... Holmes não terminou a frase, porque nossa atenção foi atraída por um tumulto, na banca do Sr. Breckinridge. O barbudo tinha uma vassoura nas mãos e espantava um homenzinho de cara fina como um rato, que se encolhia diante da possível surra. O comerciante gritava: -Fora daqui, você e seus gansos! O diabo os leve a todos, não me venha com essa conversa de saber para quemos vendi. -Mas um deles era meu... -choramingou o homem de cara de rato. -Vá tirar satisfações com a Sra. Oakshott, então -disse o furioso comerciante, espantando o homenzinho, que cor¬reu pela rua. -Ah, quem sabe esse fulano nos poupa a viagem até a granja. Vamos, Watson, não o perca de vista! Depressa o seguimos. Ele logo parou e quando Holmes tocou seu ombro o homem encolheu-se. -Queméosenhor?Oquequer?-estavapálidoetremia. -Desculpe-me -disse Holmes suavemente. -Mas não pude deixar de ouvir a sua conversa com o comerciante e talvez possa ajudá-lo a respeito do ganso... -Ajudar-me? Oh, ninguém pode me ajudar, senhor! ¬gritou o mísero, em desespero. -Eu posso -a voz de meu amigo veio firme e autoritá¬ria. -Sou Sherlock Holmes e é meu dever saber o que os outros não sabem. -Era de alguém como o senhor que eu precisava! -o rosto do homem iluminou-se ao reconhecer a fama de meu amigo detetive. -Os céus o mandaram. -Diga-me seu nome, senhor. E não tente me enganar. -James Ryder. -Como pensei. O copeiro-mor do Hotel Cosmopolitan. Acompanhe-nos, Sr. Ryder. Vamos conversar num lugar maisconfortável. Holmes fez sinal para um coche de aluguel e logo estáva¬mos instalados na sala quente da rua Baker. Sherlock ofereceu um chá para o homenzinho, que o bebeu avidamente,'usando a xícara para aquecer as mãos. Esperamos que ele se recuperasse.Depois Holmes começou: -Se está interessado no ganso, Sr. Ryder, fique sabendo que a ave veio parar aqui. -Aqui? Mas como... -Isso não interessa. O que interessa é que era uma ave magnífica, tão extraordinária, que depois de morta pôs um ovo. Um ovo brilhante! Holmes abriu uma gaveta e tirou o diamante de lá. Os olhos de Ryder fixaram-se na pedra. Ele ficou tão pálido, que temi que desmaiasse. -O jogo acabou, Ryder. Acalme-se. Vamos, Watson, co¬loque umas gotas de conhaque no chá desse homem. Ah, o senhor é mesmo um covarde! Fiz o que Holmes pediu. O copeiro-mor jogou-se numa cadeira e bebeu uns goles de chá. Aos poucos, as cores de seu rosto voltaram ao normal. -Sei de quase tudo, Sr. Ryder. Mas o pouco que me falta saber o senhor dirá... Como descobriu que essa pedra era da Condessa de Mocar? -Foi Catarina Cusack quem me falou dela -balbuciou o copeiro. -Ah! A dama de companhia da condessa... Você e ela resolveram roubar a joia. Sabiam que o encanador tinha pas¬sagem pela polícia e seria fácil culpá-lo. Bem, Ryder, parece que você tem potencial suficiente para ser um ladrão sem remorsos... a polícia ficará encantada em prendê-lo. O homem de cara de rato jogou-se ao chão, em prantos, as mãos trêmulas unidas em sinal de desespero. -Perdão, Sr. Holmes! Perdão! Nunca fui desonesto em toda minha vida... a prisão irá matar meus pais de desgosto. Por favor, Sr. Holmes, não me entregue à polícia! Era uma cena chocante. Holmes porém não se deixou comover. Com voz severa, ordenou: -Sente-se na cadeira, homem! Agora que caiu na ratoeira você se arrepende e pede perdão, mas não pensou nem um pouquinho no pobre Horner, que está preso injustamente por um crime que nem sequer sonhou. -Oh,Sr. Holmes, não queria isso! -lamentou-seo homem. -Posso explicar, posso contar tudo... -Faça isso e não diga nenhuma mentira. Ryder ainda tremia, mas juntou forças para detalhar sua história. -Catarina Cusack e eu organizamos o plano. Forjamos um defeito na lareira e eu dei um jeito para que o hotel escalasse Horner para f.1zer o conserto. Sabia que ele era fichado. Depois que ele foi embora, forcei o porta-joias e imediatamente dei o alarme. As suspeitas caíram sobre Horner. Depois que Horner foi preso, sabia que não poderia fi¬car com a pedra, porque dariam uma revista no hotel e nos meus aposentos. Fingi que cumpria uma ordem e saí do hotel levando o diamante. Oh!, senhores, que desespero me bateu! Imaginava que qualquer vulto era um policial e que todas as pessoas na rua me acusavam e sabiam do meu terrí¬vel gesto... nem sei como reuni forças para seguir até a casa da minha irmã. Ela é casada com um criador de aves e mora no subúrbio, então achei que era um local seguro... -Como imaginou o truque de esconder a pedra no gan¬so? -falou Holmes, com voz severa. -Não esconda nada, Ryder, senão irá terminar sua história na polícia! -Eu conto, senhor, eu conto... tive um amigo que cumpriu pena e ele me disse, certa vez, que os ladrões precisam logo se desfazer do roubo, para evitar o flagrante da polí¬cia... quando eu e Catarina bolamos o plano, Sr. Holmes, fui à casa dele. Sabia que ele me ajudaria a me desfazer da pedra. Mas naquela hora de agonia, em que via um policial em cada esquina, temi que nunca conseguisse levar a joia apenas escondida num bolso... estava encostado ao muro do galinheiro, rodeado de gansos, e me veio a ideia... Minha irmã me prometeu um ganso de presente de Natal. Entrei no galinheiro e peguei uma das aves, uma grande, com listas no rabo. Forcei o bicho a abrir o bico e enfiei a pedra no papo do ganso. Ele bateu asas e lutou um bocado, senhor, fazendo uma tremenda algazarra... foi quando mi¬nha irmã ouviu o barulho e correu até o quintal. O susto de vê-Ia foi tal, que acabei soltando a ave. -O que está fazendo com esse ganso,Jim?-ela perguntou. Respondi que tinha vindo buscar a ave que ela me prometera de presente de Natal. -Ah!, mas já separamos esse cinzento para você -ela respondeu. -Obrigado, Maggie -eu falei -, mas prefiro aquele que eu estava segurando. -Que besteira, Jim! -disse Maggie -O cinzento pesa três quilos a mais. -Quero o branco com listas na cauda -falei. Claro que Maggie ficou irritada com minha insistência, mas matou o ganso escolhido e eu o levei, tranquilamente, para a casa do meu comparsa. Contei o que tinha feito e ele deu muita risada. Tratamos de abrir o papo do ganso e oh, desgraça! Não havia sinal da pedra. Na confusão e no meu terror, havia escolhido a ave errada, senhores! Voltei à casa de minha irmã, mas o destino conspira¬va contra mim. Maggie já havia entregado as aves, para o vendedor do mercado, aquele famigerado Sr. Breckinridge, que se recusou absurdamente a me dizer para quem havia vendido os gansos. Maggie pensa que estou ficando louco e começo a acredi¬tar nisso também, senhores! Sou agora um ladrão marcado, sem jamais ter tocado na riqueza pela qual perdi o caráter... Deus me ajude! Ryder começou a chorar loucamente, as mãos tapando o rosto. Um longo silêncio. O único ruído era o bater dos dedos de Sherlock Holmes sobre a mesa. Repentinamente, meu amigo se levantou e abriu a porta: -Saia!-disse. -Oh, senhor, Deus o abençoe! -Não diga mais nada, saia! Nem eranecessáriodizercoisaalguma.Rydercorreualucinado para fora e só ouvimos o bater ruidoso da porta da rua. Eu olhava espantado para meu amigo. Afinal, Holmes esclareceu, pegando devagar o cachimbo: -Não sou empregado da polícia, Watson, para consertar seus erros. Horner não estará em perigo, porque devolverei o diamante e mandarei um bilhete explicando que ele de nada participou. Não há provas contra o encanador -Holmes suspirou. -Talvez esteja sendo cúmplice, deixando Ryder fugir, mas estou salvando sua alma. Continuei calado. Holmes prosseguiu: -Ele não cometerá mais nenhum furto. Está apavorado.Se eu o mandar para a cadeia, é capaz de o infeliz ter um curso completo de,ladroagem.Edepois,Watson... -meuamigosorriu. -Esta não é a época de fraternidade e perdão? Tratei de dar os merecidos parabéns a Holmes, pelo caso tão brilhantemente resolvido. o conto Thr 81urCarbunclrfoi publicado na revista Thr StranaMagaz;IJ(,em janeiro de 1892, e no livro Thr Aav"'tllrtS oJShrrlockIlollllrs, no mesmo ano.

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